Monday, November 27, 2006

Um conto de fadas

Um conto de fadas

Era uma vez, num reino não tão distante, uma princesa que morava num grande castelo, cheio de quartos, banheiros e varandas. Lá ela morava, com suas duas filhas... Êpa! Filhas? Princesa que se preza é virgem, nunca beijou na boca e vive esperando o príncipe encantado chegar no cavalo branco pra tirar ela daquele marasmo que é vida de princesa... Mas é que essa princesa era diferente – aliás, esse não é um conto de fadas ordinário, comum... Pois bem, essa princesa vivia no castelo com suas duas filhas e ao contrário das outras princesas, ela não era infeliz – viajava, tinha muitos amigos, ouvia música, dava festas, ia a festas, gostava de dançar, enfim, vivia numa boa – um pouco solitária, pode ser, mas não infeliz.

Só que ela não sabia que lá naquele livrão bem grosso, onde se escrevem todos os contos de fadas, havia um príncipe reservado pra ela. E que, por uma certa confusão nas páginas do livro, esse príncipe nasceu em outro reino, do outro lado do mundo. Por causa disso, a princesa foi construindo sua história longe do seu príncipe – conheceu pessoas, fez carreira, ganhou dinheiro, tornou-se auto-suficiente, acumulou experiências. Mas como qualquer princesa romântica, ela sempre olhava estrelas cadentes e fazia pedidos. Porque ela sentia que faltava alguma coisa, ela sabia que na sua alma original e única havia um cantinho cheio de saudade que precisava ser preenchido, porque estava vazio, escuro e frio.

Pelo seu lado, o príncipe também ia escrevendo sua história. Por que ele também não era um príncipe comum, como os outros, chatos e sem graça. Pra começar, ele não montava um cavalo branco (nem dirigia um carro preto). Não tinha sangue azul, nem terras, nem bens. Mas tinha os olhos lindos, uma boca maravilhosa, as mãos perfeitas, a pele macia e cheirosa, os cabelos de nuvem e guardava seu tesouro na alma de artista. Era um príncipe muito rico, sim, mas sua riqueza estava no espírito livre, na sensibilidade aguçada, na delicadeza de gestos, na honestidade contundente, na inteligência curiosa e sagaz, na atitude crítica e rebelde, na empatia com o ser, no senso de humor às vezes ácido, às vezes infantil, no amor pelos animais (cachorros mais que gatos, é verdade...), no modo generoso como se entregava, na intensidade com que amava, na coragem com que vivia. Mas acima de tudo, o príncipe tinha a música na alma, e não poderia ser feliz sem ela. Sem saber de sua princesa, o príncipe ia abrindo caminhos, construindo e cortando laços, vivendo pequenos e grandes amores (porque o príncipe era um homem apaixonado pelo amor), fazendo música e seguindo numa vida meio nômade em busca da ‘batida perfeita’.

Olha, essa história de se misturar as páginas do grande livro pode ter conseqüências graves, sendo a pior delas o não cumprimento do que tem que ser... Por que existem coisas que têm que acontecer, pessoas que têm que se encontrar, e quando esse fluxo é impedido, há um desequilíbrio na ordem natural que desafina pessoas e lugares. Mas enfim, pra sorte desse microcosmo em questão, o lapso não teve implicações maiores do que apenas uma longa busca. E lá um belo dia, finalmente, a princesa e o príncipe se encontraram. Claro que não foi um encontro clássico, ela na janela do seu castelo, ele passando no cavalo branco e acenando com um lenço. Isso faz parte dos contos de fadas antigos, aqueles que todo mundo já sabe o fim. Não, os dois se encontraram numa situação até meio adversa, cada um envolvido na sua própria história e tentando dar conta dela. E foi cada um pro seu lado...

Mas o príncipe era muito, muito esperto, e tinha uma intuição afinadíssima – ele percebeu que aquela era a princesa com quem precisava se encontrar. O destino também ajudou – ou foi a fada madrinha que se deu conta do vacilo e resolveu reparar seu erro? E quando parecia que a história não iria além do que ‘poderia ter sido’, os dois se batem de novo, no mesmo local, e dessa vez, fazem a coisa certa. Com as bênçãos de um som que parecia vir de outro planeta, eles se encontraram, conversaram, trocaram beijos. Em outra ocasião, sob a influência de um concerto de orquestra sinfônica e de uma roçada de pernas por baixo da mesa, o destino foi se delineando até culminar com um seqüestro cheio de assunto... É isso mesmo, a princesa seqüestrou o príncipe... Princesa moderna, essa... Mas a essa altura ela também já pressentia que o cantinho vazio e triste na sua alma poderia ser finalmente ocupado. E daí pra frente, o príncipe e a princesa começaram a escrever uma história única. Aos poucos, foram afinando as palavras e os gestos. Foram se encantando um com o outro. Foram preenchendo os espaços vazios na alma, ao mesmo tempo em que apaziguavam seus corpos, aplacando a fome de amor. E assim foi, para sempre. O príncipe e a princesa se encontraram, se tornaram disponíveis e encantados. Foram muito felizes juntos, viveram cada dia e celebraram intensamente a plenitude desse encontro. E pra quem não acredita em contos de fadas, só se pode dizer uma coisa – que pena!

Helena Meyer - 28 Novembro 2006

4 Comments:

At 30/11/06 10:23 AM, Blogger Allê Barbosa said...

Que texto bonitinho...um conto moderno e merecia ser contado para todas as crincinhas do mundo.....tá muito bom!

 
At 29/7/07 3:16 PM, Anonymous Anonymous said...

Juro que conheço essa história!!!
rsrsrsrssr...
Romi

 
At 23/10/07 7:30 AM, Blogger Daiana Vasquez said...

Qualquer semelhença é mera coincidência! hhihihihi

 
At 17/4/09 12:10 PM, Anonymous Anonymous said...

Sei que o príncipe vive, até hoje, charmed, é um encanto que nunca vai acabar.. e ela, a princesa, arrojada e inovadora sequestradora, vive também submetida a esse encanto..isso é só prá quem merece!

 

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