O menino e o trator
Era uma vez um menino que morava na roça, uma roça tão distante da cidade que tudo o que acontecia lá que não tinha a ver com galinhas, porcos, bois ou cavalos era um evento memorável.
Sim, porque o menino era fascinado por tecnologia – tudo que tivesse engrenagem, motor, se movesse ou funcionasse de alguma maneira era motivo de curiosidade e observação atenta. E foi por isso que uma tragédia quase aconteceu. Um dia, a mãe do menino lhe pediu que olhasse a irmãzinha caçula, que estava tomando banho sentadinha numa bacia colocada sobre a mureta da varanda. Era coisa rápida, só enquanto ela ia buscar a toalha pra enxugar a menina. O menino, ciente da sua responsabilidade, chegou perto pra cumprir a ordem da mãe. Mas as tentações são imprevisíveis e irresistíveis. De repente ele ouviu um ronco de motor, e quando se virou pra olhar, lá estava um trator enorme, do tamanho de um dinossauro, com seu longo braço estendido pra frente, aplainando a terra, empurrando as pedras, preparando a estrada para receber mais uma camada de cascalho. Como perder esse espetáculo? Como não correr pra estrada pra ver passar essa criatura extraordinária que tinha pneus gigantescos, fazia um barulho ensurdecedor e exalava um cheiro de óleo queimado que ardia no nariz? Impossível, pelo menos pra o menino dessa história. Esquecido de sua tarefa, ele voou pra cancela e, com os olhos brilhando e o coração saltando no peito, concentrou toda a sua atenção naquela máquina poderosa. Quando voltou a vista pra mureta da varanda, não havia mais bacia, nem irmãzinha, nem nada... Só o choro agudo do bebêzinho estatelado no chão. Apavorado, o menino voltou correndo pra acudir, e deu de cara com sua mãe acalentando o bebê, que tinha um enorme galo na testa e berrava a plenos pulmões, tão alto que nem dava mais pra ouvir o ronco do trator se afastando lentamente.
-- Menino, eu não mandei você olhar sua irmã? O que deu na sua cabeça?!, pergunta a mãe, entre surpresa e zangada.
-- Mãe, foi o trator...
E mais nada precisou ser dito. Aquele trator passando ali na estradinha de barro causou no menino o mesmo impacto que um disco-voador causaria se aterrissasse no Maracanã. Hoje, já adulto, ele não se impressiona mais com tratores (e nem deixa mais bebês despencarem da mureta), mas ainda gosta de ver aviões levantando vôo, é fissurado por máquinas, sabe tudo sobre os sistemas de esgoto de Paris e está a par de todas as descobertas tecnológicas que aparecem. Quanto à irmãzinha, bem, ela ainda tem dois calombinhos na testa e se tornou surfista, pois cair na água não dói.
Helena MeyerAgosto de 2007
4 Comments:
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Essas suas histórias são ótimas. É como se vc estivesse lá, como se visse o menininho, as expressões do rosto, as curvas do olhar curioso. Além do que, tem sempre uma linha cômica norteando o texto, o q nos faz abrir sorrisos constantemente. Posso, com certeza, dizer q esse menino tem um traço de curiosidade q me faz pensar talvez, em sua troca, na escolha prazerosa de ver o trator pela dor dos calombos na testa da irmãzinha. Escolhas, né!? Desde criança somos forçados a isso.
É isso, vc tem uma extraordinária capacidade de contar estórias. Parabéns!!
Esse menino é dos meus. Na verdade, me identifiquei completamente com ele quando lembrava que o sofa-cama virava um excelente carro de polícia repleto de equipamentos de fuga e perseguição feitos de lego ou quatro cadeiras e um lençol que se transformavam num centro avançado de espionagem. Da mesma forma, me lembrei que a co-pilota das minhas estripulias de vez em quando terminava com uns galos na cabeça também... Muito bom!
Sua história me levou de volta à Boca da Várzea, um lugarzinho no meio do nada, município de Barra do Mendes-Ba.
Quando eu tinha apenas 15 anos dava aulas prás crianças na escola local e via muito essa cena: as pessoas largavam o que estavam fazendo e corriam pra cancela pra ver o carro passando na rodagem, coisa rara por lá.
Boas lembranças, bons tempos!!!
Romi
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