Friday, March 21, 2008

A impermanência das coisas

Ninguém se surpreende quando o dia termina e dá lugar à noite, que, mais ou menos 12 horas depois, volta para o lugar de onde veio, dando vez ao dia novamente. Tampouco causa espanto o fato de que o calor dá uma trégua e começa a estação chuvosa, marcando o fim do verão e o início do outono. Mais um exemplo: lua nova, crescente, cheia e minguante, com todas as mudanças que isso causa nas marés, nas plantações, nos bichos e nas mulheres. São os ciclos da natureza, vocês dirão. Qual a novidade nisso? Nenhuma...

Também se sabe que nada como um dia após o outro e que não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe. Quem vai discutir com a sabedoria popular, que precede nossas bisavós e não falha nunca?

A natureza cíclica das coisas desse mundo desde sempre foi assunto dos místicos, profetas e espiritualistas. O Tarô, oráculo milenar e fonte de inspiração para muitos, nos dá duas cartas poderosas. A Roda da Fortuna nos estimula a pensar onde estamos e para onde vamos, porque, queiramos ou não, a roda gira, e resistir a isso só causa estagnação. Segundo o Tarô, satisfação, crescimento e plenitude só vêm se acompanharmos o fluxo, com seus ciclos e ritmos. A Morte, carta por vezes temida, não profetiza má sorte ou perda. Simboliza mudança, transformação, a escuridão que precede a luz, a morte que possibilita o renascimento, o fim de alguma coisa para que outra possa recomeçar. Também o I-Ching, o livro chinês das mutações, nos remete à antiga sabedoria oriental que observa o mundo e o homem, e constata que existe um fluir contínuo do qual nada escapa. Tudo muda, mesmo que as mudanças sejam regidas por princípios imutáveis.

Se a impermanência é natural e está nos princípios universais da vida que conhecemos, eu me pergunto: porque resistimos tanto ao fim dos nossos ciclos? Por que é tão difícil deixar pra trás o que vivemos para nos aventurar em novas experiências? Sofremos ao mudar de casa, ao deixar um emprego ao qual já estávamos acostumados, ao perder a convivência de um amigo querido. Ficamos devastados com o fim de um amor. Nos apegamos ao que não existe mais. Tomamos tudo por certo e somos ingênuos o suficiente para pensar que seremos sempre felizes num determinado lugar, ou com uma determinada pessoa. Esquecemos a mais básica das regras: tudo muda, as pessoas mudam, NÓS mudamos...

Mas como fazer diferente? Seria esquizofrênico viver achando que tudo é temporário, e que não vale a pena investir energia, tempo, emoção, desejo ou sentimento em nada, por que um dia terá fim. Mas se tivéssemos uma maior consciência da impermanência das coisas, saberíamos aproveitar melhor o que temos, conviveríamos melhor com os nossos, amaríamos mais, procuraríamos ser sempre melhores, e estaríamos mais preparados para encarar o fim dos nossos ciclos, na certeza que novos ciclos viriam, com altos e baixos, com o doce e o amargo, com princípio e fim...


Maria Helena Meyer
Março 2008