Friday, September 24, 2010

Dia Mundial Sem Carro – Simpático, mas utópico


É, o título até rimou, mas na verdade não há nenhuma poesia nisso... Anteontem (22/09) foi o Dia Mundial Sem Carro, movimento que começou na França em 1998 e teve sua primeira comemoração no Brasil em 2001. Criado com o intuito de levar os cidadãos a refletirem sobre a dependência e o uso irracional dos automóveis, o evento foi amplamente divulgado pela mídia, apesar da minguada repercussão que a iniciativa teve nas grandes capitais do Brasil.

Vimos que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, foi trabalhar de bicicleta, e que o presidenciável José Serra e seu fiel escudeiro, o candidato ao governo de São Paulo Geraldo Alckmin, tomaram o metrô, assim como muitos brasileiros o fazem a cada manhã. Ainda bem que nesse dia, ninguém prendeu uma camisa nas portas de algum vagão, causando um caos de pelo menos 3 horas no funcionamento da nossa grande metrópole. Vimos também que no Rio, carros foram rebocados e multados por desobedecerem à proibição de estacionar no Centro, determinada pela prefeitura que ‘apoiou’ o evento, e ficou feliz com a estratégia de recolher mais alguns trocados para os seus cofres.

Não sou contra eventos desse tipo, que estimulam à conscientização quanto a problemas coletivos. Mais ainda, sofro na carne as conseqüências de um trânsito desorganizado, com engarrafamentos monstruosos e demonstrações de falta de educação por todo lado. Estou consciente do impacto das emissões de CO2 na atmosfera e da eminência de um colapso urbano. Mas sinceramente, acho essas atitudes de políticos pura demagogia: pra mim, eles só querem ‘estar bem na fita’. O Eduardo Paes estava lindo de capacete e bermuda, pedalando pelas ciclovias do Rio, mas o que a sua gestão efetivamente faz para melhorar o transporte urbano? E o Rio não é a única cidade a ter problemas com isso, todas as grandes capitais brasileiras sofrem com a má qualidade do transporte público. Só quem levanta de madrugada e enfrenta o ônibus, o trem ou o metrô para chegar no trabalho sabe o tamanho do problema.

Aqui em Salvador, ainda bem que a população ‘privilegiada’, aqueles que podem ter o seu carro para se locomover, não teve consciência ecológica e não aderiu ao movimento. Se isso tivesse acontecido, o resultado teria sido um desses dois: ou as empresas, lojas, fábricas, hospitais e todo o setor de serviços tinham parado, porque muita gente tinha ficado em casa, ou teria havido o caos, quem sabe até com mortos e feridos, pela falta de estrutura do sistema de transporte para dar conta do aumento do fluxo de passageiros. Na verdade, para nós soteropolitanos, a situação ainda é mais complicada. OK, vamos deixar nossos carros na garagem. E aí? Que opção temos? Tomar o famosos metrô de superfície(se e quando ele ficar pronto), que nos levará do nada a lugar nenhum? Ou disputar a tapas um lugar nos poucos ônibus disponíveis, com linhas e trajetos inadequados, e rezar pra não sermos assaltado até o fim do trajeto? Bem, podemos também tentar a charmosa ‘bike’, sabendo que, na falta de ciclovias, vamos dividir o espaço com motoristas enlouquecidos, raivosos e imprudentes, além de precisar de muito braço e equilíbrio para desviar dos buracos da pista. Bem, resta mais uma opção: porque não usarmos nossas próprias pernas? Subir e descer umas ladeiras é até saudável... mas arriscado. Com ruas sem passeios na sua maior extensão, também disputaremos espaço com os carros e bicicletas, e vamos ter que ser desprendidos o suficiente para cedermos nossos celulares, cartões de crédito, relógios e até os tênis para os ‘amigos do alheio’, como dizia a minha avó.

É por isso que acho que o Dia Mundial Sem Carro, para nós, é uma idéia simpática, porém totalmente inviável. Não usamos nossos carros por falta de consciência ecológica ou de cidadania, e sim, por falta de opção. Se houver realmente investimento maciço no transporte público (sem corrupção!), se o número de carros produzidos e vendidos deixar de ser índice de progresso econômico, se os gestores públicos e os políticos não cederem à pressão da indústria automobilística, se a população se mobilizar e começar a exigir um direito que é seu, já que todos pagam muitos impostos, se ao elegermos nossos candidatos, prestemos real atenção aos seus programas de governo e cobremos para que as promessas sejam cumpridas, quem sabe daqui a uns dez ou quinze anos possamos começar a pensar em abrir mão do uso do carro? Eu ia adorar, pois morro de preguiça de dirigir, e acho estacionar um saco...

Helena Meyer
Setembro 2010

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