Igual ou diferente?
Há pouco tempo fui a uma festa numa boate badalada da cidade. Decoração recém-atualizada, lugar muito bacana, cheio de gente jovem, bonita e descolada. O ambiente ideal para uma das minhas atividades favoritas, a observação de gente. Alguns observam pássaros, outros observam baleias, ou estrelas. Eu sou fascinada pelo ser humano e observo gente. Pois bem, lá estavam os rapazes, todos eles muito gatos, de camiseta apertadinha nos braços para mostrar os músculos bem trabalhados e uma corrente prateada no pescoço, porque homem também usa essas coisas. As meninas eram lindas, mulheres magras de longos cabelos lisos e louros, com suas roupinhas super-transadas, sandálias altíssimas (como é que elas conseguem dançar em cima daquilo?) brincos e colares vistosos, e muitas, muitas pulseiras. Todos iguais... Todas iguais... De repente pensei que estava em algum país da Europa, ou mesmo
No meu filosofar cotidiano, disse a mim mesma: são jovens, mal saídos da adolescência (sim, porque a adolescência hoje, mostram as pesquisas, acaba cada vez mais tarde, bem pra lá dos 20 anos). Os adolescentes estão na fase de afirmação, de negação dos valores dos pais, e têm esse desejo de pertencer a um grupo, a sua tribo. Por isso adotam comportamentos semelhantes, usam uma linguagem própria e vestem-se todos da mesma maneira. E continuei a observar o vai e vem dos olhares, das abordagens, dos amassos e das recusas, que é outra coisa fascinante, qualquer dia escrevo sobre isso.
Mas, como dizia minha velha e sábia avó, fiquei com a pulga atrás da orelha. E não me surpreendi quando vi, dias depois, num shopping da cidade, um grupo de mulheres mais velhas, lá pros seus cinqüenta, também incrivelmente parecidas. Eram umas 5 ou 6, todas louras, vestiam calça jeans, calçavam aqueles sapatos horrorosos de bico fino e salto alto, e carregavam bolsas exatamente do mesmo formato e cor parecida: o famoso ‘ouro velho’. Sabe trilha sonora de cinema, onde uma música é executada em vários arranjos diferentes, mas a gente percebe que é a mesma melodia sempre? Pois é, aquelas mulheres eram variações sobre o mesmo tema. E essa padronização acontece de várias maneiras. São as cores dos carros (você já parou pra contar o número de carros prateados num estacionamento?), a decoração das casas (você já se sentiu entrando numa loja de decoração ao visitar o novo apê de algum amigo?), a pizzaria pra ir na sexta à noite (você já se perguntou porque aquele lugar fica entupido, com fila de espera na porta, se não oferece nada além de pizza?).
Nesse ambiente de tudo igual, sacando um possível nicho de consumo (os diferentes?!), a Ford lançou um comercial que diz mais ou menos assim: “Eu faço parte de um grupo de pessoas que não faz escolhas óbvias, que não segue modinhas, que não vai aos mesmos lugares... se você também tem uma cabeça diferente, deve dirigir o mesmo carro que eu”. Abstraindo-se o propósito inerente de qualquer publicidade, que é nos convencer (seduzir?) com imagens e palavras a comprar alguma coisa, o comercial nos leva de uma maneira bem humorada a pensar na pasteurização de comportamentos e de imagens. Sob o pretexto de estar seguindo uma tendência, no fim das contas todo mundo sai fazendo tudo igual, gostando das mesmas coisas, criando em cima de uma mesma estética, numa falta de imaginação que torna tudo muito chato, previsível e monótono.
Isso num momento em que se fala tanto em aceitar a diversidade, as diferenças. Num momento em que proliferam campanhas a favor dos índios, dos negros, dos gays, dos deficientes físicos, dos gordos, dos idosos, dos diferentes. Num tempo em que inclusão é a palavra de ordem. São iniciativas louváveis, bem intencionadas. Mas esse discurso de aceitar a diversidade me soa complacente. Só se aceita aquilo que não é agradável, que incomoda de algum modo, ou que desestabiliza. “Mas se não há outro jeito, fazer o que? Vamos ser bonzinhos e aceitar.” É mais ou menos assim que eu escuto, como se fosse nobre e sublime conviver com as diferenças numa boa. Percebo até uma certa arrogância, como a posição de um ser superior que é condescendente com aqueles que lhe estão abaixo. Porque esse espanto perante o que não se enquadra no nosso gosto, que não se comporta como nos comportaríamos, que não fala a nossa língua, que não ouve a nossa música? Quando realmente houver abertura para o que é diverso, não precisaremos tanta campanha, tanta mobilização. Conviveremos todos com naturalidade e respeito, tentando aprender e ensinar, aproveitando a pluralidade para nos tornarmos mais ricos, mais humanos, melhores.
E em tempo, já marquei com minha cabeleireira um horário para fazer um permanente e pintar meus cabelos de vermelho!!!
Helena Meyer - Julho 2007