Sunday, July 29, 2007

Igual ou diferente?

Há pouco tempo fui a uma festa numa boate badalada da cidade. Decoração recém-atualizada, lugar muito bacana, cheio de gente jovem, bonita e descolada. O ambiente ideal para uma das minhas atividades favoritas, a observação de gente. Alguns observam pássaros, outros observam baleias, ou estrelas. Eu sou fascinada pelo ser humano e observo gente. Pois bem, lá estavam os rapazes, todos eles muito gatos, de camiseta apertadinha nos braços para mostrar os músculos bem trabalhados e uma corrente prateada no pescoço, porque homem também usa essas coisas. As meninas eram lindas, mulheres magras de longos cabelos lisos e louros, com suas roupinhas super-transadas, sandálias altíssimas (como é que elas conseguem dançar em cima daquilo?) brincos e colares vistosos, e muitas, muitas pulseiras. Todos iguais... Todas iguais... De repente pensei que estava em algum país da Europa, ou mesmo em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, dada a grande quantidade de louras. E me dei conta de que não havia sequer uma mulher de cabelos cacheados. Nenhuma... No máximo, encontrei cabelos levemente ondulados, presos em rabos de cavalos, talvez para disfarçar sua inadequação... Fiquei pensando no que leva pessoas a se vestirem iguais, e, mais que isso, a alterarem sua aparência original para ficarem parecidas umas com as outras. Porque confesso, se eu fosse um carinha a fim de pegar alguém naquela noite, ia ficar confuso, sem saber o que escolher, porque todas as mulheres eram parecidas. Ou então ia me dar muito bem, porque era tudo igual mesmo, qualquer uma servia.

No meu filosofar cotidiano, disse a mim mesma: são jovens, mal saídos da adolescência (sim, porque a adolescência hoje, mostram as pesquisas, acaba cada vez mais tarde, bem pra lá dos 20 anos). Os adolescentes estão na fase de afirmação, de negação dos valores dos pais, e têm esse desejo de pertencer a um grupo, a sua tribo. Por isso adotam comportamentos semelhantes, usam uma linguagem própria e vestem-se todos da mesma maneira. E continuei a observar o vai e vem dos olhares, das abordagens, dos amassos e das recusas, que é outra coisa fascinante, qualquer dia escrevo sobre isso.

Mas, como dizia minha velha e sábia avó, fiquei com a pulga atrás da orelha. E não me surpreendi quando vi, dias depois, num shopping da cidade, um grupo de mulheres mais velhas, lá pros seus cinqüenta, também incrivelmente parecidas. Eram umas 5 ou 6, todas louras, vestiam calça jeans, calçavam aqueles sapatos horrorosos de bico fino e salto alto, e carregavam bolsas exatamente do mesmo formato e cor parecida: o famoso ‘ouro velho’. Sabe trilha sonora de cinema, onde uma música é executada em vários arranjos diferentes, mas a gente percebe que é a mesma melodia sempre? Pois é, aquelas mulheres eram variações sobre o mesmo tema. E essa padronização acontece de várias maneiras. São as cores dos carros (você já parou pra contar o número de carros prateados num estacionamento?), a decoração das casas (você já se sentiu entrando numa loja de decoração ao visitar o novo apê de algum amigo?), a pizzaria pra ir na sexta à noite (você já se perguntou porque aquele lugar fica entupido, com fila de espera na porta, se não oferece nada além de pizza?).

Nesse ambiente de tudo igual, sacando um possível nicho de consumo (os diferentes?!), a Ford lançou um comercial que diz mais ou menos assim: “Eu faço parte de um grupo de pessoas que não faz escolhas óbvias, que não segue modinhas, que não vai aos mesmos lugares... se você também tem uma cabeça diferente, deve dirigir o mesmo carro que eu”. Abstraindo-se o propósito inerente de qualquer publicidade, que é nos convencer (seduzir?) com imagens e palavras a comprar alguma coisa, o comercial nos leva de uma maneira bem humorada a pensar na pasteurização de comportamentos e de imagens. Sob o pretexto de estar seguindo uma tendência, no fim das contas todo mundo sai fazendo tudo igual, gostando das mesmas coisas, criando em cima de uma mesma estética, numa falta de imaginação que torna tudo muito chato, previsível e monótono.

Isso num momento em que se fala tanto em aceitar a diversidade, as diferenças. Num momento em que proliferam campanhas a favor dos índios, dos negros, dos gays, dos deficientes físicos, dos gordos, dos idosos, dos diferentes. Num tempo em que inclusão é a palavra de ordem. São iniciativas louváveis, bem intencionadas. Mas esse discurso de aceitar a diversidade me soa complacente. Só se aceita aquilo que não é agradável, que incomoda de algum modo, ou que desestabiliza. “Mas se não há outro jeito, fazer o que? Vamos ser bonzinhos e aceitar.” É mais ou menos assim que eu escuto, como se fosse nobre e sublime conviver com as diferenças numa boa. Percebo até uma certa arrogância, como a posição de um ser superior que é condescendente com aqueles que lhe estão abaixo. Porque esse espanto perante o que não se enquadra no nosso gosto, que não se comporta como nos comportaríamos, que não fala a nossa língua, que não ouve a nossa música? Quando realmente houver abertura para o que é diverso, não precisaremos tanta campanha, tanta mobilização. Conviveremos todos com naturalidade e respeito, tentando aprender e ensinar, aproveitando a pluralidade para nos tornarmos mais ricos, mais humanos, melhores.

E em tempo, já marquei com minha cabeleireira um horário para fazer um permanente e pintar meus cabelos de vermelho!!!

Helena Meyer - Julho 2007

Tuesday, July 03, 2007

Prazo de validade

Que sejam felizes até que a morte os separe. Esse conselho, solenemente proferido nas cerimônias de casamento, é um dos mais acatados que conheço. Você pode até discordar, já que não é toda hora que vemos um casal de velhinhos, lindos com os seus cabelos brancos e suas roupas de festa, celebrar as bodas de ouro cercados de filhos, netos e bisnetos. E a toda hora vamos sabendo de parentes, amigos, conhecidos e celebridades que estão se separando. Mas eu insisto, essa frase é muito verdadeira, se analisada por um outro ângulo. O que faz um relacionamento acabar? O que provoca a separação de um casal? Na maioria das vezes, a morte do sentimento que sustentava a relação, que mantinha os dois juntos. Pode ser a morte do carinho, do tesão, do respeito ou da admiração. Ou de tudo isso ao mesmo tempo. Mas a verdade é que o sentimento morre, e o casal não vê mais razão pra continuar. Normal, corriqueiro, inevitável. O pior é quando o defunto não aparece logo, ou seja, o casal não se dá conta que a morte já os separou, e continua por anos arrastando correntes pesadíssimas, carregadas de tantos sentimentos moribundos. Mórbido, não? Parece até um filme de terror...

Por isso quero propor aqui uma nova regra de comportamento: o casamento com prazo de validade. Contrato de aluguel tem prazo pra acabar, prestação de serviços também. E quando o prazo expira, as partes envolvidas decidem se querem renovar o contrato ou não. Por que isso não pode se aplicar ao casamento, já que, do ponto de vista prático, ele também é um contrato, com juiz, testemunha, assinaturas e tudo mais? De acordo com essa proposta, no dia do sim, os noivos fixam data para o fim daquele contrato. Não menos que 5 anos, não mais que 10. Ao fim desse período, eles estão automaticamente solteiros de novo, mas podem continuar casados se quiserem. Para isso, o casal tem que re-avaliar toda a sua vida a dois. É o tão famoso momento de discutir a relação, falar do que é bom, do que incomoda, dos sonhos realizados e a realizar, das frustrações ao longo do caminho, do que mudou e do que continuou igual. Ainda está valendo a pena? Quero continuar acordando junto dessa pessoa todos os dias? A bagunça no banheiro me irrita a ponto de querer jogar tudo pela janela e pular junto? O jogo ou a novela é mais interessante do que ouvir aquela velha conversa sobre os problemas da família? Essas são algumas das perguntas que devem ser respondidas, sem alterações significativas de humor, sem sarcasmo, acusações diretas ou veladas, sem mágoas ou provocações. E o resultado dessa conversa determina se o contrato será renovado com alegria e comemorações, ou se cada um segue seu caminho, em busca de novos parceiros que assim o serão até que a morte os separe. Simples assim...

Mas tem umas questõezinhas práticas que precisam ser consideradas. E a geladeira frost-free? E o home theater que foi comprado no Natal passado? E o carro, o terreno na praia, as jóias, os DVD’s, o gato, o papagaio? Bem, essas coisas podem se tornar um problemão, mas se isso acontecer, é sinal de que o contrato não deve mesmo ser renovado... casal que quebra o pau por causa de grana e bens não deve mesmo ficar junto, não acha? Tenho duas sugestões para essa questão: uma é que o casal vá decidindo ao longo do tempo o que fazer com os bens em caso de separação. Isso pode gerar um pouco de tensão, portanto a outra opção é deixar pra resolver isso depois, se a decisão for de não renovar o contrato. Afinal, aí vai se configurar uma separação mesmo, com todos os dissabores que ela tem, e esse é mais um deles.

As vantagens desse sistema são grandes. O estado de temporariedade impede que determinados sentimentos e percepções se instalem. A acomodação, o desleixo, o deixa-pra-lá-outro-dia-a-gente-vai, o hoje-não-estou-com-dor-de-cabeça vão ser cuidadosamente avaliados, pois podem ter conseqüências indesejáveis. Além disso, o casal será periodicamente levado a analisar seus próprios sentimentos, sua condição de vida, sua felicidade pessoal e conjunta. Quantos casais se queixam que o tempo passou, as coisas mudaram, não são mais os mesmos, mas não perceberam como isso aconteceu? E o que é mais importante, vai ser muito mais difícil arrastar uma relação falida por simples comodismo e falta de coragem de se separar.

É importante deixar bem claro que não faço apologia das separações. Acho lindo o casal que envelhece junto, gosto de ir a comemorações de bodas, muito mais do que a casamentos. Fico genuinamente comovida com as histórias de duas pessoas que construíram uma vida juntas, enfrentaram um monte de dificuldades e venceram todas. Além disso, acredito no amor, acho que ninguém vive feliz se ficar sozinho por muito tempo, todo mundo precisa de um copinho com duas escovas de dente no banheiro. E também sei que ser feliz a dois dá trabalho, é um constante aprendizado e exige uma capacidade inesgotável de reinvenção. Mas acredito que só vale a pena enquanto for bom, enquanto der mais alegrias do que tristezas. O olhinho tem que brilhar quando um olha pro outro, pelo menos de vez em quando. A simples idéia de não estar mais com aquela pessoa deve dar um aperto no coração. A distância deve trazer saudade. Esses são alguns dos termômetros que indicam que a relação ainda merece um investimento de tempo, energia, dedicação. Se nada disso existir, então é melhor não renovar o contrato.

Essa pode ser uma idéia maluca, mas garanto que ela melhoraria a vida de muita gente que conheço...


Helena Meyer
Julho de 2007.